sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Hip-hop em solo baiano

Ao som do gatilho começa a batalha. Com a arena tomada de entusiastas, vestidos com as largas camisetas de basquete, tênis típicos de skatistas e touca para o frio, as duplas digladiavam-se duas a duas. Levados pela batida hip-hop esmeravam-se do “foot work” - uma espécie de sapateado - ao “freeze” - movimento onde se permanece apoiado no chão com apenas uma das mãos – para tentar cativar os juízes. Entre um duelo e outro o apresentador, conhecido por “Neguinho”, embala a torcida e relembrava as regras: - os adversários não podem se tocar, e tem que ter ginga e suingue.

Esta cena poderia ter acontecido em meados da década de 70, no bairro Novaiorquino do Bronx, berço do hip-hop. Ou na estação de metrô São Bento na década de 80 em São Paulo, onde o movimento teve início no Brasil. Mas “Neguinho” tem sotaque baiano. A primeira batalha da paz – nome do campeonato de “Break” – aconteceu em Vitória na Conquista, 525 km da capital do Estado, Salvador, no dia 17 de outubro de 2010. Assistindo ao animado conforto estava o “Cabelo”, como é conhecido entre os amigos, mas na certidão de nascimento Gilvandro Oliveira. “Cabelo” e outros nove jovens, de áreas de risco do município nordestino, idealizaram o projeto hip-hop nas ruas.

Contemplados com pouco mais de R$ 10 mil, a idéias é mostrar para as comunidades carentes da região o movimento hip-hop. “Um dos objetivos da gente é atrair esse juventude, que é gritante na periferia”. Nascido e criado no bairro Bruno Bacelar, um dos mais violentos de Vitória da Conquista, “Cabelo” viu no projeto uma chance de mostrar para os jovens que existem alternativas ao crime.

Gilvandro, hoje com 29 anos, se recorda da época em que havia acabado de completar 17. Nesse momento ele poderia ter entrado para o mundo do crime. “É um dinheiro fácil, o retorno é imediato. Aquele menino com 10, 11 anos, começa ganhando 30 reais; passam-se alguns meses, o valor pode ser 300 por semana.” Em um bairro pobre, no qual a perspectiva de conseguir um bom emprego está perto de zero essa alternativa é um grande atrativo para os jovens.

Muita música de protesto (Racionais e MvBill) e uma interpretação, espelhada em sua própria realidade, mostraram ao menino de 17 anos que havia outro caminho. “Eu fiz uma leitura daquilo ali: na verdade isso é uma rima de certa situação que aquele sujeito está passando”. Gilvandro conheceu grupos de hip-hop que existiam em Vitória da Conquista e se identificou. Foram boas influências, que deram força para escapar da ilusão do dinheiro fácil. Atualmente, cursa história na Universidade Estadual da Bahia.

Se hoje em uma tarde de domingo se consegue reunir cerca de 120 jovens em uma batalha de “Break” é porquê 15 anos antes Divan Nascimento, também escutou os mesmos MvBill e Racionais (entre outros). Mas para o “Black”, como é conhecido entre os seus, não foi para fugir do crime, ele viu na música uma maneira de se auto afirmar perante uma sociedade preconceituosa. “Eu tive acesso ao disco dos Racionais, fui me identificando com o som. Fui vendo que poderia ter uma perspectiva de futuro”. O menino que tinha problema com sua imagem, agora com 31 anos, é a referencia quando o assunto é hip-hop.

Baseada nestes e em tantos outros casos, que o projeto hip-hop nas ruas tem cada vez mais adeptos. Com a aquisição de uma aparelho de som especifico para uso do Dj, “Cabelo” e os outros idealizadores do projeto, farão apresentações em diversas comunidades de Vitória, mostrando os quatro elementos que compõem hip-hop: o Dj, o Rap, o Break e o grafite – e um elemento será somado a estes: a educação. “Cabelo” deseja, depois de apresentar a história do movimento e seus elementos, formar parcerias com as escolas. “Vamos articular em colégios e depois atender em grupos a parte”.

Vitória da Conquista tem se mostrado um ambiente propício para o crescimento do projeto. Quando “Black” deu o pontapé inicial houve resistência, as pessoas tinham preconceito com este tipo de música, afinal a Bahia é conhecida como a terra do Axé. Mas pouco a pouco conseguiu trazer mais gente para o seu lado. Em 2010 são muitos participantes, nessa primeira Batalha da Paz eram 120. Entre as duplas concorrentes havia uma criança de seis anos. Foi um dos dançarinos que deixou a platéia mais entusiasmada. “Hoje são dez participando e mil olhando", aponta Gilvandro, "mas aos poucos os que estão olhando participam, e assim o movimento vai crescendo".



Está matéria foi escrita no fim do ano passado, para o livro Microprojetos Mais Cultura-Semiárido ... a cultura nas mãos. Veja a integra do livro

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