terça-feira, 15 de março de 2011

Sábado de sol

Tudo aconteceu em uma sala grande, do tamanho de meio campo de futebol. Era impressionante o número de palavras proferidas em pouco tempo. Na platéia era possível se ouvir os grilos entre os mudos. Foram dispostas duas fileiras de mesas brancas, que em conjunto com as paredes de mesma cor transformavam o ambiente, que era para ser aprazível, em uma cela de manicômio.

A única cor diferente do alvo eram os rostos, mas estes à medida que se aproximavam de um ponto especifico da sala ficavam pálidos de tensão e medo. Este ponto era responsável por toda a questão. Eram 137 falando para 137, mas a matemática não fechava, não batia, o resultado era sempre um, agradar um, ser notado por este um.

As estratégias de bajulação eram inúmeras. Elas iam muito além dos elogios verbalizados. Os astutos postaram-se ao entorno do ente, e frisavam: - o importante é ser notado. Havia ainda os que ficavam anotando sem parar, porque o negocio é mostrar interesse.

Mas pairava a dúvida: o que pensava o rei ao olhar seus súditos. Sentado, com feição seria e compenetrada, o tempo todo com as mãos hasteadas apoiadas ao queixo. Sua mão só deixava o rosto para bebericar na xícara de café. Ao ouvir os floreios sobre sua pessoas - nada. Os conselheiros da corte, invariavelmente lançavam olhares sobre a magestade, a fim de entender suas indecifráveis feições.

Os ferreiros, mensageiros, cavaleiros, comerciantes, camponeses, o xerife e sua equiepe, até mesmo quem guiava as carruagens reais estava lá. O feudo estava em crise. A solução: todos no calabouço branco forçados a se entender. Mas e o rei, será que ele entendia? Será que ele sabia o que fazer?

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

No rio Doce, lixo é inspiração

Até desaguar no mar são 853 Km. Durante todo o percurso que cruza o estado de Minas Gerais e Espírito Santo, o rio Doce dá de beber a mais de três milhões de pessoas. Para Luiz Natal de Souza, 57 anos, o rio é sinônimo de inspiração. O Doce encontra o oceano Atlântico em Regência, pequeno vilarejo de 1300 habitantes, distrito de Linhares (ES) – e no cruzar da água salgada com a doce, é que Natal encontra seu material de trabalho. Pau, pedra, tijolo, frigideira, serrote tudo serve como tela para a premiada pintura Naif de Natal. “No que eu encontro, eu pinto” comenta sorridente o artista.

Baseado no trabalho do ilustre morador que professores da Universidade Federal do Espírito Santo, em conjunto com Natal, desenvolveram o projeto Re-criando. A ideia é promover oficinas para ensinar os habitantes da região – inscritos pela Associação de Moradores da Vila - o que Natal já faz: retirar o lixo da margem do rio e transformá-lo em arte. Com a verba do Microprojetos Mais Cultura foi possível adquirir tinta, pincel e todo o material para seis dias de oficina. O trabalho terá, ainda, um registro audiovisual da situação do meio ambiente e todo o processo criativo, da coleta até a confecção dos objetos.

Em mutirão, os participantes irão recolher o que o rio Doce deixou pra trás. Como o próprio Luiz explica, vale tudo: “casca de árvore, semente de cacau, coco”. Depois é necessário um pouco de paciência, pois os objetos encontrados recebem três demãos de tinta branca antes de estarem prontos para a pintura de verdade. Após esse processo, os aspirantes colocam a mão na massa, sobre a tutela de quem já participou de quatro Bienais de Piracicaba.

Luiz Natal de Souza começou a pintar em 1974. Na época ainda morava em Linhares, terceira maior cidade capixaba, localizada 147 km ao norte da capital, Vitória. Foi introduzido nas artes por uma amiga que também pincelava no estilo “naif ”, ou seja, pinturas, esculturas ou colagens espontâneas e autodidatas. Quando se aposentou, depois de ter sofrido aneurisma cerebral, refugiou-se em Regência vive no pequeno vilarejo há 16 anos.

Mesmo pequena e ainda a esperar que asfaltem sua estrada de acesso, Regência não está esquecida no mapa. No verão o local atrai surfistas e a sua população chega a triplicar no carnaval. Nestes momentos agitados, Natal pinta menos. “Gosto de ligar o rádio e ficar escutando MPB, fico a tarde toda trabalhando em uma única tela”, no verão esse ambiente bucólico muda, por consequência a produção diminui.

Mas se o aumento da população é uma fraca inspiração, essas épocas quentes foram exatamente o que impulsionou o projeto Re-criando para o mês de dezembro. Os organizadores querem que os moradores e os visitantes se conscientizem em relação ao lixo encontrado na foz do rio Doce. Com esse trabalho inicial, a ideia é que a população local tome como prática recolher o lixo e reciclá-lo, produzindo enfeites, ou objetos úteis para o cotidiano.

Não é a primeira vez que o povo de origem cabocla terá a oportunidade de preservar sua natureza. Há 30 anos o distrito tem uma das sedes do projeto Tamar, voltado para a proteção das tartarugas marinhas. Os pescadores locais hoje são aliados dos biólogos na preservação dos animais. E é misturando a natureza e as artes que o Re-criando pretende diminuir a poluição do rio e ainda impulsionar a formação de futuros talentos da pintura e escultura.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Hip-hop em solo baiano

Ao som do gatilho começa a batalha. Com a arena tomada de entusiastas, vestidos com as largas camisetas de basquete, tênis típicos de skatistas e touca para o frio, as duplas digladiavam-se duas a duas. Levados pela batida hip-hop esmeravam-se do “foot work” - uma espécie de sapateado - ao “freeze” - movimento onde se permanece apoiado no chão com apenas uma das mãos – para tentar cativar os juízes. Entre um duelo e outro o apresentador, conhecido por “Neguinho”, embala a torcida e relembrava as regras: - os adversários não podem se tocar, e tem que ter ginga e suingue.

Esta cena poderia ter acontecido em meados da década de 70, no bairro Novaiorquino do Bronx, berço do hip-hop. Ou na estação de metrô São Bento na década de 80 em São Paulo, onde o movimento teve início no Brasil. Mas “Neguinho” tem sotaque baiano. A primeira batalha da paz – nome do campeonato de “Break” – aconteceu em Vitória na Conquista, 525 km da capital do Estado, Salvador, no dia 17 de outubro de 2010. Assistindo ao animado conforto estava o “Cabelo”, como é conhecido entre os amigos, mas na certidão de nascimento Gilvandro Oliveira. “Cabelo” e outros nove jovens, de áreas de risco do município nordestino, idealizaram o projeto hip-hop nas ruas.

Contemplados com pouco mais de R$ 10 mil, a idéias é mostrar para as comunidades carentes da região o movimento hip-hop. “Um dos objetivos da gente é atrair esse juventude, que é gritante na periferia”. Nascido e criado no bairro Bruno Bacelar, um dos mais violentos de Vitória da Conquista, “Cabelo” viu no projeto uma chance de mostrar para os jovens que existem alternativas ao crime.

Gilvandro, hoje com 29 anos, se recorda da época em que havia acabado de completar 17. Nesse momento ele poderia ter entrado para o mundo do crime. “É um dinheiro fácil, o retorno é imediato. Aquele menino com 10, 11 anos, começa ganhando 30 reais; passam-se alguns meses, o valor pode ser 300 por semana.” Em um bairro pobre, no qual a perspectiva de conseguir um bom emprego está perto de zero essa alternativa é um grande atrativo para os jovens.

Muita música de protesto (Racionais e MvBill) e uma interpretação, espelhada em sua própria realidade, mostraram ao menino de 17 anos que havia outro caminho. “Eu fiz uma leitura daquilo ali: na verdade isso é uma rima de certa situação que aquele sujeito está passando”. Gilvandro conheceu grupos de hip-hop que existiam em Vitória da Conquista e se identificou. Foram boas influências, que deram força para escapar da ilusão do dinheiro fácil. Atualmente, cursa história na Universidade Estadual da Bahia.

Se hoje em uma tarde de domingo se consegue reunir cerca de 120 jovens em uma batalha de “Break” é porquê 15 anos antes Divan Nascimento, também escutou os mesmos MvBill e Racionais (entre outros). Mas para o “Black”, como é conhecido entre os seus, não foi para fugir do crime, ele viu na música uma maneira de se auto afirmar perante uma sociedade preconceituosa. “Eu tive acesso ao disco dos Racionais, fui me identificando com o som. Fui vendo que poderia ter uma perspectiva de futuro”. O menino que tinha problema com sua imagem, agora com 31 anos, é a referencia quando o assunto é hip-hop.

Baseada nestes e em tantos outros casos, que o projeto hip-hop nas ruas tem cada vez mais adeptos. Com a aquisição de uma aparelho de som especifico para uso do Dj, “Cabelo” e os outros idealizadores do projeto, farão apresentações em diversas comunidades de Vitória, mostrando os quatro elementos que compõem hip-hop: o Dj, o Rap, o Break e o grafite – e um elemento será somado a estes: a educação. “Cabelo” deseja, depois de apresentar a história do movimento e seus elementos, formar parcerias com as escolas. “Vamos articular em colégios e depois atender em grupos a parte”.

Vitória da Conquista tem se mostrado um ambiente propício para o crescimento do projeto. Quando “Black” deu o pontapé inicial houve resistência, as pessoas tinham preconceito com este tipo de música, afinal a Bahia é conhecida como a terra do Axé. Mas pouco a pouco conseguiu trazer mais gente para o seu lado. Em 2010 são muitos participantes, nessa primeira Batalha da Paz eram 120. Entre as duplas concorrentes havia uma criança de seis anos. Foi um dos dançarinos que deixou a platéia mais entusiasmada. “Hoje são dez participando e mil olhando", aponta Gilvandro, "mas aos poucos os que estão olhando participam, e assim o movimento vai crescendo".



Está matéria foi escrita no fim do ano passado, para o livro Microprojetos Mais Cultura-Semiárido ... a cultura nas mãos. Veja a integra do livro

Voltando a ativa

Lembro-me que quando comecei esse blog estava em um período de solidão, em Brasília. Então utilizei meu momento de ócio para ser criativo. Depois quando voltei para Porto Alegre, e voltou o trabalho, não consegui mais escrever.

Então olá de novo para aqueles que leram o pouco que havia escrito.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A famosa hora do café

Dedicado a todos os estagiários da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul

Ela acontece todos os dias úteis, podendo ser em qualquer minuto entre às 8 horas e 30 minutos e as 10 horas em ponto. Depois deste horário a janela de pegar o café se fecha até as 13h30.

Este momento da manhã pode ser considerado o de maior emoção para um estagiário da pomposa Assembléia Legislativa. Inúmeras artes são desenvolvidas neste pequeno trajeto entre a sala apertada e fedida a cigarro – na qual o “escravirio” trabalho – até o porão úmido e sombrio, onde residem as tias do café. Um dos “poderes”, que pode ser considerado o principal, é a adivinhação – praticamente uma premonição. Graças e ele muitos infortúnios são evitados. Ele funciona da seguinte forma: deve se escolher a melhor hora para ir até o covil do café. Porque, dependendo, você pode acabar sendo visto carregando os fracos do líquido, o que para um aspirante a jornalista, que já fez a cadeira de arrogância I, II, III, (além é claro da arrogância que vem embutida no próprio ser humano), seria o fim. Então adivinhar o momento exato em que nenhum colega de profissão, ou alguma mulher bonita esteja no trajeto, ou mesmo buscando o café, assim como você, é de fundamental importância – porque não existiria um pior rótulo do que: o de guri do café.

Em fim explicado o principal dom necessário para se tornar um especialista na arte de buscar a bebida que move as repartições públicas, parto para a seguinte. Mas antes gostaria de contestar minha frase anterior. Porque dizer que a cafeína move a repartição pública é no mínimo contraditório, por um detalhe, nos locais públicos de trabalho, existe aquele estigma que não se faz nada, o que não é verdade. Se faz alguma coisa, mas muito pouco, e normalmente quem faz não toma café. O café nas repartições se transformou em desculpa para matar o trabalho. Não é raro se fazer um pedido a alguém, e ela usar a desculpa “bah mas agora to na hora do cafezinho, pede pro fulano que não toma café”. Então fica a dúvida o café move ou atrapalha? Além é claro da poluição ao meio ambiente. Se um dia se fizer o cálculo de quantos copos plásticos são usados por dia no país para ingestão da bebida, creio que iríamos nos assustar. Depois deste parêntese, voltemos a segunda característica para se transformar num super buscador de café. Seguindo a linha de que o principal é não ser percebido, uma característica que deve ser desenvolvida é a invisibilidade.

Obviamente que este dom não pode ser alcançado com facilidade. Os maus buscadores dariam dicas como: use roupas que se misturam com o ambiente, no caso da AL seriam roupas com um aspecto sujo, meio marrons. Mas é muito mais que isso a roupa é o de menos. O primeiro passo, parece bobagem, mas não é, o guri do café deve ao sair de sua sala estar com a chave na mão, para trancar a porta. Se ele sai sem a chave fica mais tempo exposto a olhares de reprovação. E o ideal é conseguir fechar a porta com as térmicas na outra mão, caso tenhas que solta-las ao chão serão perdidos alguns milésimos de segundo preciosos. Depois de entendida esta parte, existe um modo básico para se passar despercebido, ande sempre perto das paredes e de cabeça baixa, não encare ninguém nos olhos. Mas admito, que nas primeiras vezes é importante se encarar nos olhos. Ela olhará para você e depois com certeza mirará as térmicas, e se for alguém maldoso ainda balançará a cabeça, ou elevará o queixo a 90 graus. Ai você realmente dará valor a estes conselhos. Pois com estes olhares que mais parecem tiros de canhão na auto-estima, se percebe a posição do pegador de café.

A terceira e derradeira norma mistura-se com a invisibilidade. Quando se faz a trajeto da sala com cheiro de cigarro, até o covil do líquido sagrado podem ser encontrados conhecidos. Neste caso deve se avaliar o grau de amizade. Se for alguém que vá parar para cumprimentar: o ideal é já começar a conversa com a seguinte frase “tu vê logo hoje que estou cheio de coisas para fazer, o pia do café faltou. E sabe como é sem café não da para trabalhar” termine com uma risadinha. Nunca se alongue muito, pois não esqueça você está sendo visto com as térmicas. Se você passar por alguém que cumprimenta apenas de longe, o melhor é fingir que não o viu.

Agora um momento triste, quando você encontra alguém já no covil, e que também é o guri do café como você. Duas possibilidades, o local esta cheio, simplesmente use a invisibilidade, fique atrás de alguém olhe para o outro lado, finja que está com sono. Mas se você deu o azar de estar só você e ela realmente não existe o que fazer, não se pode mentir que o guri do café faltou, porque fatalmente você é o guri do café, logo pode encontrar ela seguidas vezes, e mentir seria ridículo. Então agora deve se sobressair, olhe fixamente para os frascos depois levante o olhar e mire nos olhos como um franco atirador. Tome a atitude, pergunte onde ela trabalha e a função. Caso a pessoa pergunte a sua função, diga a função do seu chefe, porque afinal é o seu futuro.

Agora você já está quase pronto para ser um megabuscador de café só existem alguns detalhes que não podem ser esquecidos. As guardiãs do líquido não admitem que sejam levados frascos com restos, ou seja se você entendeu o espírito, já está pensando: devo me livras dos restos antes de adentrar ao covil, EXATAMENTE. Este momento é fácil, sendo um “escraviario” deve se chegar as 8 horas, quando ainda não chegou ninguém. Então pegue as térmicas, nem tranque a porta, para na perder tempo, vá rapidamente ao banheiro e jogue fora o que estiver dentro da garrafa. Agora você deve estar se perguntando e porque não ir buscar a “bendito” agora, já que não chegaram muitas pessoas. Simples o portal para liquido mágico só aberto 30 minutos após a sua chegada.

Obs: Este texto foi escrito há muito tempo

sábado, 3 de abril de 2010

Planalto central

Era seco. Muito seco, a boca rachou em menos de um dia. Descobri como se sentiam as uvas, depois que elas viravam uvas passa. Hidratar o termo que ouvimos tanto no colégio transformou-se em lei de sobrevivência. Todos alertavam: - Agora está ótimo. É época da chuva.

A cidade era seca e suas construções espalhadas, sem o mínimo de aglomeração, davam a idéia de miragens no deserto. Uma, depois outra. Os arquitetos fizeram seu trabalho muito bem feito. Aposto que todos os prédios deveriam ter uma linda vista. Mas a vista para os acostumados a grandes metrópoles, com muita gente, e grandes aglomerados por incrível que pareça: era feia. A idéia de miragens consolidava-se a medida que as construções eram inalcançáveis. O terreno era extremamente plano, então se tinha a ilusão da proximidade. Doce ilusão.

Em meio à secura das mãos, ao cansaço dos pés, de caminhar e nunca chegar. Havia a esperança no povo. A população que formara aquela localidade vinha de toda a parte. Não havia um biótipo definido, nem sotaque. Era estranho, mas ao mesmo tempo percebia-se, que as pessoas eram acolhedoras, pois o local era inóspito para todos. Ninguém era daquele chão. Nem comida típica havia ali, ou algum tipo de diversão aos domingos. Era uma local, seco, sedento por ser alguém.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

o dia em que roubaram meu carro

- Espera lá fora

Espero a outra pessoa sair. Entro, me sendo. Depois de uns 5 minutos, que pareceram horas. Inquiriu-me:

- nome?

- RG?

Duas perguntas em tom seco

- o que te aconteceu?

O palavreado combinava perfeitamente com o ambiente. Uma sala com no máximo 9 metros quadrados, (era pequena, matemática nunca foi meu forte) tenho certeza que deitado, ali eu não cabia. Na parede resquícios de um ar condicionado. Abaixo do mesmo, metade de um ventilador. Calor deveria fazer ali, no verão. Naquele dia calça e camiseta bastavam.

De todos os objetos daquele pequeno ambiente, o grampeador, caracterizava o lugar como um todo. Ele era antigo. Mas era daqueles grampeadores de banco, para grampear grandes talões de cheques. No passado devia ser o rei dos grampeadores. Aposto que se aquela coisa falasse muita história contaria. Agora estava aleijado, o coitado. Para ser útil em sua função, de unir as folhas, era necessária sua abertura, e um leve empurrãozinho com o dedo, substituindo a mola estragada. A ferrugem por dentro denunciava sua idade avançada.

Continuando a viagem dos meus olhos, o computador me intrigou, era o único limpo e novo. Tela de LDC, mas pelo visto de boa mesmo, só a tela. Não precisava entender muito de informática para perceber que o computador em si não deveria ter nada de mais. Atrás não tinha nem porta USB. Como a mente humana divaga, pensava eu naquela sala. Então falei:

- Meu carro.

- Que foi?

- Roubaram, o rádio, destruíram a porta, amassou tudo. Levaram o álbum branco dos Beatles, quebr....

- Onde tava?

- Na Osvaldo Aranha.

- Seguro?

Achei estranho que aquela pessoa não devia esta acostumada a falar mais de duas palavras por frase. O trabalho é a única explicação. Assim como o grampeador, aquela que me falava (isso mesmo aquela, era uma mulher), devia ter tido seus dias de glória. Por trás de toda a rispidez do tratamento, ela tinha algo. Olhei para além dela. No meio do cúbico, meio amarelado, com o reboco caindo, um cartaz de uma campanha governamental de mil novecentos e muito. Havia uma bolsa de oncinha. É oncinha, pode ser meio mau gosto, mas já é um gosto. Aquele ser parecia não ter gosto, ou estar moída pela labuta.

- Esse moço que estava antes de ti aqui, assaltaram na Vasco agora, ali perto do teu furto.

- Registrar ocorrência, é aqui.
Perguntou uma pessoa da porta.

- Espera lá fora. – Respondeu a moça que novamente armou-se com o mau humor, perdoável, da escrivã mumificada naquele ambiente insalubre – O que eu devo fazer colocar um cartaz dizendo que é ocorrência, plantão não basta? – desabafou