segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

No rio Doce, lixo é inspiração

Até desaguar no mar são 853 Km. Durante todo o percurso que cruza o estado de Minas Gerais e Espírito Santo, o rio Doce dá de beber a mais de três milhões de pessoas. Para Luiz Natal de Souza, 57 anos, o rio é sinônimo de inspiração. O Doce encontra o oceano Atlântico em Regência, pequeno vilarejo de 1300 habitantes, distrito de Linhares (ES) – e no cruzar da água salgada com a doce, é que Natal encontra seu material de trabalho. Pau, pedra, tijolo, frigideira, serrote tudo serve como tela para a premiada pintura Naif de Natal. “No que eu encontro, eu pinto” comenta sorridente o artista.

Baseado no trabalho do ilustre morador que professores da Universidade Federal do Espírito Santo, em conjunto com Natal, desenvolveram o projeto Re-criando. A ideia é promover oficinas para ensinar os habitantes da região – inscritos pela Associação de Moradores da Vila - o que Natal já faz: retirar o lixo da margem do rio e transformá-lo em arte. Com a verba do Microprojetos Mais Cultura foi possível adquirir tinta, pincel e todo o material para seis dias de oficina. O trabalho terá, ainda, um registro audiovisual da situação do meio ambiente e todo o processo criativo, da coleta até a confecção dos objetos.

Em mutirão, os participantes irão recolher o que o rio Doce deixou pra trás. Como o próprio Luiz explica, vale tudo: “casca de árvore, semente de cacau, coco”. Depois é necessário um pouco de paciência, pois os objetos encontrados recebem três demãos de tinta branca antes de estarem prontos para a pintura de verdade. Após esse processo, os aspirantes colocam a mão na massa, sobre a tutela de quem já participou de quatro Bienais de Piracicaba.

Luiz Natal de Souza começou a pintar em 1974. Na época ainda morava em Linhares, terceira maior cidade capixaba, localizada 147 km ao norte da capital, Vitória. Foi introduzido nas artes por uma amiga que também pincelava no estilo “naif ”, ou seja, pinturas, esculturas ou colagens espontâneas e autodidatas. Quando se aposentou, depois de ter sofrido aneurisma cerebral, refugiou-se em Regência vive no pequeno vilarejo há 16 anos.

Mesmo pequena e ainda a esperar que asfaltem sua estrada de acesso, Regência não está esquecida no mapa. No verão o local atrai surfistas e a sua população chega a triplicar no carnaval. Nestes momentos agitados, Natal pinta menos. “Gosto de ligar o rádio e ficar escutando MPB, fico a tarde toda trabalhando em uma única tela”, no verão esse ambiente bucólico muda, por consequência a produção diminui.

Mas se o aumento da população é uma fraca inspiração, essas épocas quentes foram exatamente o que impulsionou o projeto Re-criando para o mês de dezembro. Os organizadores querem que os moradores e os visitantes se conscientizem em relação ao lixo encontrado na foz do rio Doce. Com esse trabalho inicial, a ideia é que a população local tome como prática recolher o lixo e reciclá-lo, produzindo enfeites, ou objetos úteis para o cotidiano.

Não é a primeira vez que o povo de origem cabocla terá a oportunidade de preservar sua natureza. Há 30 anos o distrito tem uma das sedes do projeto Tamar, voltado para a proteção das tartarugas marinhas. Os pescadores locais hoje são aliados dos biólogos na preservação dos animais. E é misturando a natureza e as artes que o Re-criando pretende diminuir a poluição do rio e ainda impulsionar a formação de futuros talentos da pintura e escultura.

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